#ENTREVISTA: Conheça Mc Linn da Quebrada, e o seu trabalho maravilhoso no movimento LGBT
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Periférica, negra, paulista e trans: essa é a Mc Linn da Quebrada, que vem se destacando no rap e funk brasileiro com suas músicas e clipes. Os seus versos são suas realidades de vidas e o preconceito que ainda é bem vivo na sociedade e no mundo da música. Ela está determinada a mudar o jogo.
A rapper está dando continuidade ao trabalho de várias outras rappers trans que estão revolucionando o hip-hop no mundo. Em entrevista concedida ao nosso site, Mc Linn conta sobre sua vida e projetos futuros.
1. O que te motivou para seguir a carreira de rapper?
Eu nunca decidi seguir a carreira de rapper. Nem sei dizer se sou realmente uma rapper. Eu venho atuando há algum tempo sobre questões relacionadas ao meu corpo, minha vivência, minhas experiências, na performance. Mas encontrei na música, ou melhor, na performance musical, um caminho de dar mais voz e alcance às minhas inquietações.
2. Fale um pouco do seu estilo, quais são suas inspirações para ele?
Meu estilo é a minha realidade. Meu contexto. As pessoas que me cercam. Os espaços que freqüentei, onde eu vivo. E no caso, um universo mais próximo da sarjeta. Da margem. Das ruas. Da periferia. Da quebrada. Dentro e fora de casa. É o espelho, e o que está sendo refletido nele. É a noite. O escuro. A boate. São as minhas fragilidades e minhas potências. E também o dia, também é botar a cara no sol. Acho que essas são as minhas inspirações. E pirações.
3. Quais são suas inspirações no mundo da música?
Minhas inspirações na música são muito diversas. Vem desde Cláudia Wonder, com toda sua força, coragem e atuação. As Dzi Croquetes, com sua beleza e estética, e transgressão. Até as mais recentes, e maravilhosas, Mc Carol, Tati Quebra Barraco, Deise Tigrona, Valeska, Mc Xuxu, Mc Trans, mulheres poderosas e com coragem o suficiente pra falar suas verdades e se expor. Além de pessoas que admiro por seu posicionamento e estética, como Lay, Kessidy Kess, Brisa Flow, Nega Gizza, Bia Doxum, Tássia Reis, e muitas outras, que eu poderia passar o dia citando.
4. Como você se vê no futuro?
Eu não faço ideia. Se teve alguma coisa que se manteve em mim na minha trajetória, é a transição. Eu já passei pela dança, pelo teatro, pela performance, cinema e agora a música. Em todas elas eu encontrei ferramentas importantes pra falar do que me interessava. E carrego um pouco de todos esses lugares comigo. Hoje estou cantora, rapper, funkeira, performer, mas amanhã, nem deus sabe.
5. Você já sofreu preconceito?
Não só sofri, como sofro. E não só eu mas a grande maioria das pessoas TLBG e pretas, e pobres, e periféricas. Desde uma violência simbólica e naturalizada na grande mídia, nas escolas, na arte; até a violência cotidiana dos olhares, piadas, e tentativas ou ameaça de agressões. Quase todos os espaços são hostis aos nossos corpos e vivências, às vezes até dentro de casa. Mas felizmente, ou infelizmente, nós aprendemos a conviver com a violência. Mas também a resistir e enfrentar essas situações.
6. Você teve apoio dos amigos/familiares para seguir na carreira?
Tive e tenho. Sem o apoio da minha mãe, de 62 anos, preta, empregada doméstica por uma vida inteira, que fez de tudo para me manter viva e alimentada e vestida, e com saúde para que eu pudesse fazer o que quisesse, além de apoio financeiro dentro do que ela podia me ajudar. Sem o apoio dela eu jamais teria conseguido, eu acho. Além, claro da família que eu construí ao longo dos anos, pessoas amigas, companheiras e parceiras, que estavam e estão ao meu lado pra me dar apoio psicológico, financeiro, nos momentos de perrengue, ou até ver e ouvir minhas propostas artísticas, e ajudar nelas como era preciso e como podiam. E principalmente agora, na música, vejo que sozinha eu não sairia do lugar. Tem muita gente que está por trás da Mc Linn da Quebrada. São muitas pessoas que a tornam possível.
7. Você está revolucionando o rap no Brasil, como se sente?
Não acho que eu esteja revolucionando o rap. Já haviam muitas outras pessoas fazendo o que eu faço antes de mim. Mas, ainda que pouca, estou tendo alguma visibilidade por isso. A internet possibilita o tráfico de informação, e assim conseguimos alcançar mais pessoas com mais facilidade. E ainda não é fácil. Acredito que meu trampo é sincero e que tem muitas pessoas que se vêem no que eu digo e canto. Histórias que não eram contadas nem vistas no cenário, corpos que não eram representados. Mas atualmente estamos invadindo os espaços, e isso é só o começo, é parte de um processo que está longe de terminar. E seria inocente da nossa parte acreditar que é a primeira vez que isso acontece. Isso já aconteceu outras vezes na cena musical, ou mesmo em outros espaços, mas esse tipo de movimento era facilmente abafado pela mídia. É isso que não podemos deixar acontecer mais uma vez. Temos de cumprir nosso papel nesse jogo, e tráfico de informação. Fazendo ela chegar onde precisa. Sem esquecer ou abafar ninguém, vamos arrastar nossas parceiras com a gente.
8. Pretende lançar um álbum em breve?
É o que eu mais quero no momento. Estou trabalhando pra isso. Mas produzir música é algo caro e que gasta muita energia. Mas to caminhando nesse sentido.
9. Como foi o processo de criação para o videoclipe da música “Enviadescer”?
Foi lindo e muito importante. Foi um processo de mobilização e apoio das pessoas que acreditam em mim e no que eu gostaria de fazer. Foi uma ação importante independente da gravação. Nas ruas da Fazenda da Juta, quebrada onde eu moro. Enviadescendo e mostrando que nós existimos, e que nossas vidas são lindas e não temos vergonha nenhuma de ser quem somos. Mas que quem tem uma atitude machista e homolesbotransfóbica que deveria se envergonhar disso. Foi real, de verdade, cru, sem dinheiro, foi a gente.
10. O seu som é rap e funk, mas pretende explorar outros estilos?
Olha, eu ainda não sei. Mas adoro experimentar o novo. Me arriscar em outros territórios. E gosto muito de outros estilos musicais. Pois cada um potencializa um tipo de discurso e ação. Tenho vontades e algumas ideias guardadas por aí. Quem sabe, um segundo álbum não traga algo mais gospel?!
MC Linn, você pode falar um pouco sobre você para as pessoas que irão ler essa entrevista?
Mc Linn da Quebrada, porque a quebrada é linda, e eu sou Linnda e quebrada, e to aí pra quebrar meus próprios paradigmas e a cara de quem quer que seja que tente me impedir. Sou uma bixa travesti, preta, filha de empregada doméstica alagoana. E to me jogando, batendo cabelo, dando a cara a tapa e pondo o cu na reta, pra ser quem soul.


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